A imagem é bombástica, antológica, fetichista: Mônica tenta beijar Cebolinha. Na boca. De novo: na boca. Ela está com os olhinhos fechados. Ele treme na base. Gotas de suor escorrem pelo seu rosto. Os leitores vêem uma velha fantasia se tornando, vá lá, realidade.
Durante o dia de ontem, quando a revista chegou às bancas, os sites brasileiros reproduziram a capa incessantemente – dos jornalísticos aos de fofoca, dando à Mônica seu dia de Luana, de Gisele, de Ivete. Hoje, a imagem deve estar nos maiores jornais. Semana que vem, quem sabe, nas grandes revistas.
Falando assim, soa exagerado.
E, de certa forma, é. Ora, é só um beijo entre dois adolescentes cheios de hormônios. Hoje, aliás, gente de 14 anos faz manobras sexuais bem menos puritanas que um miserável selinho. Para certos grupos, isso é um carinho que se faz em amigo. Se fosse o caso, ai, pobre Cebola.
Tudo, porém, indica que não é. Não só porque na capa os dois personagens são envolvidos por um discreto coração em tons de rosa. Mas também porque um beijo entre a versão adolescente de Mônica e Cebolinha é tão esperado quanto aquele entre o mocinho e a mocinha no capítulo final da novela das oito.
Esse beijo só está repercutindo tanto porque foi esperado por décadas por gerações de leitores. É uma imagem que se construiu na mente de uma nação. Sabe-se lá de onde saiu. Nem como se fixou. Mas o fato é que é o começo de uma fantasia coletiva que sorrateiramente dominou o País: todo mundo sabia que aquela tensão toda entre Mônica e Cebolinha um dia viraria outra coisa quando eles crescessem.
Pois eles cresceram. E aí está: o beijo.
Mauricio de Sousa e sua equipe fizeram um movimento de mestre. Depois de três números cheios de realidades alternativas, sátiras do universo dos mangás e aventuras destrambelhadas, levaram a trama de volta ao bairro do Limoeiro para entregar ao público a realização daquele que é um dos primeiros fetiches das crianças brasileiras.
Nas páginas internas, é bom deixar claro, o beijo se concretiza. Selinho. Sem língua. Mas os lábios se encostam e conduzem a um final espetacular.
É importante que o beijo seja selado no Limoeiro. Lá, afinal, é a realidade – ao menos, a da turminha. Isso deixa claro que não se trata de mundo paralelo, de clone, de futuro imaginário nem de sonho. O que estava no imaginário do Brasil enfim saiu da cabeça do leitor, foi impresso e é, daqui pra frente, um fato.
No meio de um momento histórico desses, não tem jeito: a trama da revista acaba ficando em segundo plano. Mas não precisaria.
A conclusão do arco 4 Dimensões Mágicas é a melhor parte até aqui. A trama equilibra bem um humor leve, diminui a repetição de piadas dos volumes anteriores e tem uma boa dose de ação narrada com competência.
É um barato caçar as diversas referências à cultura pop e aos quadrinhos que estão nas páginas de Turma da Mônica Jovem. Neste número, tem citação até para a série Crise nas Infinitas Terras, da DC Comics. Mas não é papel do resenhista entregar tudo de bandeja: o leitor precisa ter um pouco de trabalho também.
De qualquer maneira, a maior força deste volume tem a mesma origem do beijo: é a idéia de mostrar ao leitor o que até então ele apenas poderia imaginar. É o caso da turma do Penadinho “mangalizada” e a página dupla 82/83, com versões jovens da turminha do Limoeiro – incluindo o cãozinho Bidu!
Durante décadas, Mauricio de Sousa acumulou um patrimônio que vai muito além da sua própria obra. Sua criação passou a fazer parte do imaginário de um país inteiro. Na cabeça dos leitores, esse universo fermentou, ganhou outras formas, virou fetiche, fantasia, delírio. Chegou a hora de colher os dividendos e redistribuí-los – de preferência, no formato de histórias em quadrinhos memoráveis.
Turma da Mônica Jovem – Edição 4 – Fortes Emoções!
Créditos ao blog E-books Grátis.
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